NOSSA HISTÓRIA

Estamos no município de Cataguases no Estado de Minas Gerais.  População  73.712 habitantes.
Considerada como cidade histórica de Minas Gerais, Cataguases gravou seu nome no cinema brasileiro com Humberto Mauro, nos anos 1920, alcançou grande repercussão com a revista e o Movimento Verde (Rosário Fusco, Guilhermino César, Francisco Inácio Peixoto, Ascânio Lopes, Henrique de Resende, Oswaldo Abritta, dentre outros).
Cataguases esteve à frente no Movimento Moderno de arquitetura na década de 1940, muito por incentivo de Francisco Inácio Peixoto e José Pacheco de Medeiros Filho, que levaram à cidade diversos arquitetos e artistas modernos para desenhar uma nova estética e consequente mentalidade para a cidade. Importantes nomes como Oscar Niemeyer, Cândido Portinari, Burle Marx, Joaquim Tenreiro, Djanira, José Pedrosa, Jan Zach, deixaram seus traços na cidade.
Em 1941, chega a Cataguases o padre Solindo José da Cunha na Igreja Santa Riata de Cássia (hoje Santuário de Santa Rita de Cássia) – e com ele a ousadia de um novo templo, inaugurado apenas em 1968. O projeto de Edgar Guimarães do Valle traz o arrojo da nave livre, do vão central sem colunas. Na parte frontal externa, “A vida de Santa Rita”, painel de Djanira.
Diversos prédios modernos foram construídos na época e em 1995, o IPHAN decidiu pelo tombamento de uma poligonal no centro da cidade de aproximadamente 60 quadras face à importância de seu patrimônio arquitetônico.
Na década de 1960, contou com diversos movimentos culturais de vanguarda, destacando-se o Centro de Arte de Cataguases (CAC), do qual participou Carlos Moura, Paulo Martins, Silvério Torres, Antônio Jaime Soares, entre outros) e o Centro de Arte Experimental de Cataguases (CAEC), além de um grupo de poesia liderado pelos irmãos Branco e por Ronaldo Werneck, do qual também participaram Lina Tâmega Del Peloso, Márcia Carrano, Sebastião Salgado, Arabella Amarante.
Destaque para a produção do filme "O anunciador, o homem das tormentas", de Paulo Martins, que teve início no final da década de 1960 e lançamento no início dos anos 70, vez que se trata de um dos pouquíssimos filmes underground feitos em todo o mundo.
Nos dias atuais, destacam-se os trabalhos do escritor Luiz Ruffato, vencedor do Prêmio Jabuti com "Eles Eram Muitos Cavalos", e também do artista plástico Luiz Lopez, com suas séries de obras sobre o tema "campo de futebol". A beleza da cidade e a efervecência cultural evidenciam os trabalhos fotográficos de Vicente Costa, Humberto Ribeiro e Juliano Carvalho.
Destaca-se também as recentes aquisições escultóricas, com obras públicas de Amílcar de Castro e Sonia Ebling.
A cidade, que desde o início do século passado mantém acesa a chama literária, realiza desde 2009, o FELICA (Festival Literário de Cataguases) e que já é uma grande referência literária em toda Zona da Mata Mineira.
Atualmente, Cataguases mantém o o perfil de cidade do cinema realizando anualmente o Festival Ver e Fazer Filmes, que conta com a participação de produtores convidados de várias partes do país e até do exterior para a produção e exibição de curtas.
Cataguases se destaca no campo cultural pelo investimento nas artes, realizado e patrocinado pelas empresas Companhia Industrial Cataguases, Energisa e Bauminas. Destacam-se o Instituto Francisca de Souza Peixoto, a Fundação Ormeu Junqueira Botelho e a Casa de Cultura Simão.

 ESCOLA ESTADUAL MANUEL INÁCIO PEIXOTO - COLÉGIO CATAGUASES






O Colégio de Cataguases (atual Escola Estadual Manuel Inácio Peixoto) é um projeto de Oscar Niemeyer encomendado por Francisco Inácio Peixoto em 1945, um dos edifícios que mudaram a imagem e mentalidade de Cataguases na década de 1940. Francisco Peixoto, escritor e industrial da cidade impulsionou a arte e arquitetura moderna na pequena Cataguases ao contratar Niemeyer para o projeto de sua residência e o Colégio Cataguases em 1945.

Outros nomes do modernismo foram chamados para compor o Colégio: os jardins são de Burle Marx, o mobiliário de Joaquim Tenreiro e Portinari assina o mural do hall, “Tirandentes”, que antes de ser levado à Cataguases foi exposto no MAM do Rio em 1949. Atualmente no Colégio há uma réplica e o original, vendido ao Governo de São Paulo, encontra-se no Memorial da América Latina, na Barra Funda, em São Paulo. Paulo Werneck concebeu o painel em pastilhas “Abstrato” e à frente do edifício encontra-se a “O Pensador,” de Jan Zack.

O projeto do colégio segue as principais linhas da Arquitectura Moderna: o pilotis, a fachada livre, o brise soleil, as linhas simples e indica o traço de Niemeyer na sinuosidade interna e as experiências em concreto armado em sua marquise.
Inaugurado em 1949, o prédio foi tombado em dezembro de 1994 pelo IPHAN.


Uma escola à frente do seu tempo. O antigo Colégio Cataguases completou 100 anos no dia 31 de março de 2010. Um espaço de educação que também destaca a riqueza do patrimônio artístico da cidade.

Na imponente fachada, projetada por Oscar Niemeyer, uma escultura chama a atenção. A obra, que representa duas mãos segurando um livro, é do paisagista Burle Marx, o painel é de Paulo Wenerck e uma réplica, de Cândido Portinari.

Pelos corredores do colégio já passaram centenas de milhares de alunos. O local é mais do que uma instituição centenária. É um símbolo da cidade

Tudo começou em 1910, como uma escola particular, em regime de internato. Entre os alunos famosos, está Chico Buarque. Os registros guardam uma dedicatória de outro importante nome da cultura brasileira. Cecília Meirelles, que visitou a escola e ficou seduzida por sua beleza.



FRAGMENTOS DA NOSSA HISTÓRIA EXTRAÍDOS DA MONOGRAFIA:“AS REPRESENTAÇÕES DO COLÉGIO DE CATAGUASES E SUAS PRÁTICAS EDUCATIVAS NAS MEMÓRIAS DE SEUS EX-ALUNOS (DÉCADA DE 1950)”, Eloísa de Castro Silva

LEIA E APAIXONE-SE VOCÊ TAMBÉM!

 Por ocasião das comemorações do Centenário foram confeccionados os banners abiaxopara que os presentes pudessem conhecer o passado de glórias da escola.


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Não improvisamos uma tradição para o nosso Ginásio. Ele existe há 35 anos. Olhai o velho casarão, as árvores nodosas, escorrendo limo e deitando  frescura neste ar leve e puro, escutai os melros inumeráveis das palmeiras, ouvi o borbulhar das águas  nascendo no seio da terra, senti o cheiro forte da seiva que vem dos matos em torno. Não me negareis, depois, que, tudo o que sentirdes, ouvirdes ou olhardes, está profundamente impregnado da vida das gerações que por aqui passaram (Francisco Inácio Peixoto, Arquivo- Museu de Literatura - Produção Intelectual).



Essas palavras do discurso do Dr. Francisco, proferido em 1945,  no lançamento da  pedra fundamental do novo prédio do Colégio de Cataguases, nos faz refletir e imaginar. Nós, os das gerações que já  encontramos  o  moderno edifício erguido  e que o naturalizamos com nossa ocupação, podemos ceder ao seu convite e efetuarmos  o regresso à experiência poética do espaço vivido. Num outro exercício de imaginação,  podemos retornar mais precisamente àquele momento em que se enunciava o discurso de celebração dos 35 anos de existência do colégio,  lastro que lhe permitiu falar em tradição.



A arquitetura do Colégio de Cataguases, segundo seu criador, não pede explicação,  muito possivelmente no que diz respeito à funcionalidade. Se a relacionarmos, no entanto, às construções com destinação semelhante podemos marcar a sua diferença. Estamos falando de um  prédio escolar moderno, numa  concepção local e nacional. O Colégio Cataguases apresentava uma arquitetura inovadora se comparada à dos prédios  dos grupos escolares  Coronel Vieira e Astolfo Dutra[1],  inaugurados em 1913, ao prédio  Grupo Escolar Guido Marlière  instalado em 1930[2] e ao da Escola Normal Nossa Senhora do Carmo, inaugurada em 10 de fevereiro de 1912, mas que em 31 de maio de 1942 passou por uma reforma, tornando-se amplo e confortável edifício com dois pavimentos, pátios de recreação, ginástica, jogos esportivos e exercícios físicos, muitas  salas de aula e dormitórios”(COSTA, 1977, p.82)



O Colégio de Cataguases não deixa dúvidas sobre sua  inserção numa nova linguagem arquitetônica, seja pela estética ou pelo uso de novos  materiais e técnicas de construção. Visto  sob a perspectiva de um edifício escolar podemos atribuir-lhe  o caráter  de inovador. Em primeiro lugar pelas próprias linhas modernistas que, como já vimos anteriormente, se distinguia dos modelos da época, não apenas no que diz respeito à fachada e entorno como às dependências interiores, todas com uma série de elementos que ratificam e consolidam a opção pelo moderno. Ao lado dele outras obras importantes se destacaram, como o  Museu de Belas Artes de Cataguases e o seu painel Tiradentes, de  Cândido Portinari; a escultura O pensador de Jan Zach;  o painel de pastilhas de Paulo Werneck, o Museu de Artes Populares e,  somando-se a esses trabalhos, o paisagismo de Burle Marx para os seus jardins e o mobiliário concebido por Joaquim Tenreiro.





 

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Tarde de 29 março de 1910, vamos nos posicionar junto a uma “numerosa massa popular” nas proximidades da Estação Ferroviária, e desfrutar do imaginário túnel do tempo: “o trem mixto das 3 e 55 minutos da tarde” se aproxima. Primeiro os apitos, depois a  fumaça e as brasas. Se apurarmos o olfato, os que experimentaram a proximidade com as  Marias-Fumaça, poderão recuperar o cheiro característico da lenha queimada, misturado aos óleos com que besuntavam as engrenagens.  Há que  se ter cuidado, porque os ciscos podem entrar nos olhos. Imagine, estragar a festa! O trem já está  devagar “[...] estrugiram salvas de dinamites e foguetes em vários pontos e a banda de música atacou um vibrante dobrado”. Podemos  investir na ousadia e arriscar a descrição do clima: curiosidade, expectativa e uma certa euforia, risos alegres, comentários em tom de voz elevados!  Cataguases estava  concretizando “as esperanças longamente alimentadas para dotar-se a cidade com o principal melhoramento de que ela carecia afim de se impor, definitivamente, à primazia entre  as suas vizinhas e co-irmãs”(A EPOCHA in O Estudante, 1950, p.11).





 

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A chegada do diretor, cercada de pompas e circunstâncias foi cuidadosamente preparada. Criaram-se comissões e elegeram-se os oradores, para as saudações de boas –vindas. O  Padre Theófilo era procedente de uma   cidade próxima,  Pomba, e vinha acompanhado de seus sete discípulos. Os “neo-conterrâneos apearam do trem entre as mais significativas  mostras de regozijo popular” e “fez-se silêncio para ouvir os oradores” (A EPOCHA in O Estudante, 1950, p.11). Concluída essa parte do programa, o  grande séquito saiu:  à frente os alunos  das escolas públicas, dispostos em filas. Em seguida o novo diretor e sua comitiva, as comissões populares organizadas para a recepção, a “Euterpe Cataguasense” e por fim os populares. O destino desse grupo era a chácara da Granjaria, onde se achava instalado o Gymnásio. Em todo o caminho não “cessaram de estrugir foguetes e salvas de  dinamite. Às pessoas que visitaram o novo estabelecimento foi servido um copo de cerveja[3] e já passavam das 18 horas quando o padre e seus companheiros retornaram à cidade para jantar no Hotel Vilas.

A inauguração do Ginásio e da Escola Normal de Cataguases  aconteceu em 31 de março de 1910, na antiga chácara da Granjaria e  em 2 de abril  o número de alunos matriculados era de trinta.

Podemos pensar que se tratava da cerveja Volvi, de fabricação local, a época, e  mencionada por  Oswaldo Barroso (Depoimento em Memória e Patrimônio Cultural, 1988, p. 84)





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  A história da criação do colégio  está contida em diversas pequenas  histórias. Na chamada história oficial, na história da cidade que registra, nessa direção, o movimento de um político em 1898, nas discussões dos cidadãos influentes na primeira década do século vinte, nos desejos da população, na subscrição do capital, enfim nos arranjos que culminaram  com a chegada do primeiro diretor.

O Colégio de Cataguases, antigo Ginásio de Cataguases e, posteriormente,  Ginásio Municipal de Cataguases, foi fundado em 1910, pelos senhores Manuel Inácio Peixoto e João Duarte Ferreira, que organizaram, para explorá-lo, a firma  Peixoto, Duarte & Cia. (Documento Inventário - Acervo da Escola Estadual Manoel Inácio Peixoto).



          Quem são esses senhores que concretizam o tão esperado colégio?  Imigrantes portugueses que iniciaram a vida no Brasil como trabalhadores braçais na construção de estradas de ferro. Trabalharam duro. Fixaram-se em Cataguases e  prosperaram. O Sr. Manuel Inácio Peixoto teve família numerosa e o Sr. Duarte não teve filhos. O primeiro se fez industrial e o segundo administrador  e político[4]. Eram homens de negócios, mas esse empreendimento não parece ter sido realizado com a intenção de lucro.





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Os primeiros anos do colégio não foram estáveis. O tão aclamado primeiro diretor, Padre Theófilo, não permaneceu. “Um ano, mais ou menos, depois da inauguração”(COSTA, 1977, p.72) o colégio passa para a orientação do Granbery[5] que designa Mr. W.B. Lee para  seu reitor, e esse  assume as  funções em 9 de fevereiro de 1911 nela permanecendo até 27 de novembro de 1913. Funcionavam na época,   quatro cursos:  Colegial (3 anos); Fundamental (3 anos); o Agrícola Profissional (4 anos) e o Normal (2 anos). Em discurso (O Estudante, 1950, p.1), Professor Antônio Amaro, assim se refere a Mr. Lee: “cidadão probo, profundamente bondoso que depois  de uma atuação profícua de três anos” entregou-lhe as chaves do estabelecimento. No início de 1914, o colégio filia-se ao Ginásio São José de Ubá, de propriedade  e direção dos professores  José Januário Carneiro e Antônio Amaro Martins da Costa. Este, na impossibilidade de transferir-se para Cataguases, delega ao Professor Arnaldo Carneiro Viana a direção do colégio, função esta exercida em comum acordo com o Prof. Amaro, e na qual permanece até janeiro de 1917, ano em que o Prof. Amaro muda para Cataguases e assume diretamente a direção. Em 1923 o ginásio passa para sua propriedade com a compra  do terreno  e edifício. São suas as seguintes declarações:

Transferindo-nos em janeiro de 1917, jamais nos afastamos do velho Ginásio de Cataguases[...].Confundiram-se nossas existências, uma vez que com igualdade de ânimo participávamos de seus dias de alegria e de adversidade[...] também as coisas têm sua vida como a dos homens, se lhes sobram, às vezes, dias de sol, não lhes faltam, entretanto, dias de tristeza e de amargura (O Estudante, 1950, p.1).




 
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          É sob a direção do Professor Antônio Amaro que o colégio adquire prestigio regional, insere-se na  história do movimento modernista pela atuação de alguns de seus alunos  e,  em termos legais, incorpora algumas conquistas:

Em 3 de março de 1914  o Governo Estadual lhe concedeu a regalia de escola Normal pelo decreto n.º 4 141. Logo depois, o Governo Federal lhe concedia Bancas Examinadoras, que funcionaram até 1927. Suprimidas, por nova reforma do ensino, as Bancas Examinadoras, outorgou-se ao Ginásio o regime de inspeção prévia. Pelo decreto de n.º 21 921, de 10 de outubro de 1932, finalmente, tornou-se permanente a inspeção, ficando então o Ginásio considerado “estabelecimento livre de ensino secundário (O Estudante, 1950, p.1).



          Em 10 de fevereiro de 1925, a Escola Normal é desmembrada do Colégio e passa para a direção das Irmãs Carmelitas da Divina Providência. Em 1927,  O Ginásio de Cataguases, passa a  chamar-se Ginásio Municipal de Cataguases. Em 1934, foi  arrendado aos Padres Agostinianos mas  já no ano seguinte retornava às mãos do  Professor Antônio Amaro.





 



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Mas o que estava acontecendo no Ginásio Municipal de Cataguases, lá pelos idos de 1940? O professor Antônio Amaro estava cansado. À frente de instituições de ensino desde 1905, precisava reorganizar sua vida e aposentar-se. Podemos imaginá-lo então em conversas, buscando pessoas interessadas que pudessem adquirir o seu colégio. Marques Rebelo dá-nos a sua versão:

O ginásio estava caindo de podre e ameaçado de não poder funcionar dentro das novas disposições ministeriais; o proprietário, velho e conceituado professor, não se sente disposto a fazer  uma reforma geral que o colocasse dentro das exigências legais- já se sentia muito doente, muito alquebrado, para enfrentar  uma obra de tal monta, que o obrigaria  a continuar à testa do estabelecimento, quando o seu propósito irrevogável era  aposentar-se, pois que  quarenta anos de magistério já fora  carga bem pesada, que merecia descanso (REBELO, 2002, p. 193).










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Vamos constatando, pelo cruzamento  de fontes, a plausibilidade dessa versão. A filha do professor Antônio Amaro a corrobora: “O prédio já estava antigo e papai doente”(Detinha). Em carta ao Dr. Francisco, Gastão Gonzaga, analisando uma série de aspectos relativos à aquisição do colégio,  argumenta que estão:

[...] diante das atuais exigências dos Ministérios do Trabalho e Educação[...] Os ginásios estão realmente onerados, e o decreto que regula o salário dos professores não deixa a menor dúvida quanto ao caso daí, isto é,  os professores de 7$000 não poderão sofrer nenhuma alteração nos seus vencimentos.

A regulação atinge também todos os funcionários a serviço do colégio, os quais gozam dos mesmos direitos dos professores junto ao Ministério do Trabalho (Cp FIP -Gastão Gonzaga, 7/ 02/1941).



Acompanhando a narrativa de Marques Rebelo e estabelecendo  conexões com outras  fontes, vamos esboçando nossa compreensão sobre esta parte da história.

Na iminência de a cidade ficar sem tradicional educandário, houve um movimento para adquiri-lo e reformá-lo. Mas tudo teria ficado em acaloradas discussões, se Francisco Amaro[...] não tivesse se posto à cabeça da coisa e comprado o ginásio, por quanto o velho mestre pediu (REBELO, 2002, p. 193).







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Quando, como e por que Dr. Francisco resolveu fazer um colégio?





Uma preocupação social e cultural, um olhar atento para as necessidades da cidade e uma questão de ordem bem prática e sentimental: oferecer condições para que os filhos convivessem em família alguns anos mais. Possível, bem possível... Além  do que, pode-se apreender pelas obras que realizou e pelas influências que exerceu - nos projetos da casa de saúde, museu, maternidade, hotel, cinema, casas para o operariado - que ele acreditava  nas artes como instrumento de transformação da sociedade.

Em 1941, quando as discussões sobre a empreitada em que se constituiu o colégio estavam a pleno vapor, o amigo Aldílio manifesta preocupação e o adverte: “[...]se está pensando em futuro para os filhos, cuidado com o coração”(Cp FIP  Aldílio Tostes Malta, s/d).








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Mas o que estava acontecendo no Ginásio Municipal de Cataguases, lá pelos idos de 1940? O professor Antônio Amaro estava cansado. À frente de instituições de ensino desde 1905, precisava reorganizar sua vida e aposentar-se. Podemos imaginá-lo então em conversas, buscando pessoas interessadas que pudessem adquirir o seu colégio. Marques Rebelo dá-nos a sua versão:

O ginásio estava caindo de podre e ameaçado de não poder funcionar dentro das novas disposições ministeriais; o proprietário, velho e conceituado professor, não se sente disposto a fazer  uma reforma geral que o colocasse dentro das exigências legais- já se sentia muito doente, muito alquebrado, para enfrentar  uma obra de tal monta, que o obrigaria  a continuar à testa do estabelecimento, quando o seu propósito irrevogável era  aposentar-se, pois que  quarenta anos de magistério já fora  carga bem pesada, que merecia descanso (REBELO, 2002, p. 193).



            Vamos constatando, pelo cruzamento  de fontes, a plausibilidade dessa versão. A filha do professor Antônio Amaro a corrobora: “O prédio já estava antigo e papai doente”(Detinha). Em carta ao Dr. Francisco, Gastão Gonzaga, analisando uma série de aspectos relativos à aquisição do colégio,  argumenta que estão:

[...] diante das atuais exigências dos Ministérios do Trabalho e Educação[...] Os ginásios estão realmente onerados, e o decreto que regula o salário dos professores não deixa a menor dúvida quanto ao caso daí, isto é,  os professores de 7$000 não poderão sofrer nenhuma alteração nos seus vencimentos.

A regulação atinge também todos os funcionários a serviço do colégio, os quais gozam dos mesmos direitos dos professores junto ao Ministério do Trabalho (Cp FIP -Gastão Gonzaga, 7/ 02/1941).



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Quem, no início da década de quarenta poderia se interessar em adquirir o Ginásio de Cataguases?  Não temos registros de quantos se motivaram, mas o fato é que o colégio tinha se tornado:

um atrativo a que responderam moços  e moças. Já não precisavam sair de casa para estudar em longes terras. Fazendeiros, sitiantes, mais a fina flor da burguesia local, pequenos funcionários,  comerciantes, o pessoal do forum e, sobretudo, O Cataguases, órgão oficial dos poderes municipais” tinham-no visto como “germe de um futuro Caraça” e os mais “exaltados profetas” chegaram  a pensar que “seria uma nova Ouro Preto, uma nova Sorbone em plena Mata” (Guilhermino César, in Caderno de Sábado-31/03/1979- Arquivo- Museu de Literatura).





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Amigos próximos, como Aldílio Tostes Malta voltam a adverti-lo:

Quanto ao Gymnásio: 40 alqueires a 5 contos = 200 contos. Vale o collegio cem contos? 5 contos o alqueire é o maior preço nas  proximidades (1 kilômetro) de Juiz de Fora. Portanto está aí a base do seu negócio, sem falar no valor das benfeitorias. Ruim me parece o que ele pede a mais. Você sempre teve um [palavra incompreensível]pelo Gymnásio [...]Faça tudo a bico de pena- que 300 contos a 8% vai 2 contos por mês de papo para o ar. (Cp FIP- Aldílio Tostes Malta – 1941).



Dr. Francisco tinha uma ligação afetiva com  o colégio fundado pelo pai, no qual estudara e fora professor de História, além  da relação de carinho e respeito mútuo entre ele e o  professor Antônio Amaro, que se revelou logo no início da nossa pesquisa, quando da leitura da carta que o mestre lhe envia em 14 de dezembro de 1928. Soma-se a isso a declaração da filha Bárbara :“Papai gostava imensamente dele”.

Em 1942, a firma Peixoto & Cia Ltda adquiriu o educandário, tornando-se, então, seus diretores os Drs. Francisco Inácio Peixoto e Manuel das Neves Peixoto. Pelo decreto  número  21.476, de 22 de julho de 1946, o Ginásio Municipal  de Cataguases transformou-se em Colégio de Cataguases (Documento Inventário, p. 1).






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Arquitetando o moderno.

                 Lançar um olhar sobre a modernidade, no que concerne à arquitetura em Cataguases é refletir sobre a própria história do movimento modernista brasileiro e reconhecer em Francisco Inácio Peixoto a autoria dessa transformação. Arquitetos como  Aldary Toledo, Carlos Leão,  Francisco Bolonha, Flávio Aquino  e Edgar do Valle, além de Niemeyer construíram ali um acervo que fez de Cataguases uma das cidades precursoras desse audacioso movimento. As construções das décadas de 40 e 50 na cidade fazem  parte  das  primeiras experiências  dessa renovação arquitetural, dentre as quais se destacam,  no Rio de Janeiro, o edifício do Ministério da Educação e, em Belo Horizonte, o conjunto da Pampulha.

A relação entre Dr. Francisco ou Peixoto, como o tratava Niemeyer, e Oscar  não era  apenas de cordialidade entre  profissional e cliente. Eram amigos com idéias e ideais  comuns: o Modernismo e o Comunismo. Faziam parte do grupo de intelectuais que  tinham feito opção pela teses fundamentais da filosofia marxista e:

Da mesma  forma que Lúcio Costa e Niemeyer sonharam ver o motorista e o Ministro na mesma quadra em Brasília, Peixoto e Rebelo teriam também acalentado o ideal de os milionários e os operários habitarem a mesma arquitetura (MIRANDA, 1994, p.5).



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Em 1943, o Ginásio Municipal de Cataguases já se encontrava em pleno funcionamento sob a direção do Dr. Francisco Inácio Peixoto e do Dr. Manuel da Neves Peixoto. No  primeiro prospecto que lançaram anunciavam: “Cogita a atual diretoria da construção de novo prédio, cujo projeto está confiado ao grande arquiteto Oscar Niemeyer” (Arquivo Escola Estadual Manoel Inácio Peixoto), que assim descreveu certos procedimentos adotados:



Prezado Peixoto

        

Respondo sua carta e junto remeto projeto do Ginásio de Cataguases. De acordo com as suas instruções, anexas mais duas salas de aula e um grande salão para 220 alunos. Para isso, transformei o anfiteatro em sala de aula, o que permitiu uma  sala maior no conjunto, coisa muito útil para determinadas matérias. Aproveitei  ainda o vazio do auditório para a grande sala de 220 alunos, o que me obrigou a aumentar o pé direito no andar térreo para 5 metros.

Entretanto todas essas modificações só vieram melhorar o projeto, ajustando melhor  a solução e  tornando a planta mais compacta e  econômica. Com relação ao restaurante também fiz as alterações pedidas, o que me levou a estudar novamente a cozinha e os sanitários.

Quanto a questão dos cálculos de concreto devo dizer a você que em princípio sou contrário à entrega dos cálculos à firma construtora, pois temos péssimas experiências nesse sentido. A parte arquitetônica propriamente dita não é levada em conta, e, todo serviço é feito visando unicamente maiores lucros e facilidades construtivas. O lógico é que o serviço seja entregue a um profissional de nossa confiança que compreenda e respeite soluções para cada caso. Aliás, eu aconselho a você tomar em consideração o vulto da obra em vista, que ficará  certamente  comprometida se a parte do projeto não for cuidadosamente elaborada, por uma questão de verba, que na verdade, será  uma parcela insignificante no orçamento total (Cp FIP Oscar Niemeyer- Rio de Janeiro- 18/08/1944).



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A  construção do novo prédio gerou  expectativas e comentários sob os mais variados aspectos:

Não quero ver razão no Sr. José. Mas não sei  não Francisco, Cataguases parece que ainda está longe de merecer o ‘Ginásio’. Nem o compreende ainda.[...] É uma verdade que já o feriu e o envolveu de todo[...] Quem se interessa aí pelo ginásio? A não ser alguns parentes seus que vêem na grandiosidade futura da obra nos ares de ‘coisa nossa’ só se observa receio, temor (Cp FIP- José da Silva Gradim 13/03/ 1945).



Francisco,

Agradou-me o tom da sua carta, a sua disposição de lutar pelo ginásio, nesta fase tão dura de nossa vida e ainda cercada das apreensões dos amigos, dos receios dos irmãos etc. Mas, por favor, não procure atribuir-me ignorância no juízo que faço das lutas contra a hostilidade geral. Conheço-os bem, sei das quedas que seu entusiasmo tem sofrido. Mas vivas! [Palavra incompreensível] que você conhece a luta, a dureza dela, a vontade de vencê-la parece-me maior. Muito bem (Cp FIP- José da Silva Gradim 27/03/ 1945).

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Não sabemos quantos  alunos e ex-alunos desconhecem que o prédio do colégio foi sendo construído gradativamente. “Não se perdeu nem um dia de aula [...]foram derrubando aos poucos,  fazendo e aproveitando as salas”(Detinha). Não houve o momento de derrubada do prédio antigo, eles não podiam ficar sem aula, “faziam uma parte passava-se para cá ... passava para lá” (Detinha). Inimaginável  uma obra daquele porte  com o colégio funcionando! Mas também seria impensável que o colégio interrompesse as aulas para a construção do prédio novo.

Chamamos a atenção não só para as  dificuldades inerentes ao processo, mas  para algo que  veremos em outros momentos: a convivência entre o novo e o velho, um  dos elementos da identidade do Colégio de Cataguases, com implicações no cotidiano e nas diferentes formas como os alunos dele se apropriaram.

Entrei no colégio em 1947, primeiro ano de funcionamento do prédio novo.[...] Lembro-me que nem taquinhos o colégio  tinha ainda[...] as  obras continuaram, não por muito tempo, parecia que só faltavam os acabamentos (Aloísio).






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O morro do Colégio, era calçado com aquela pedra...areia grossa...Calçado com saibro (Aloísio Condé). “E era chão. Chão batido”(Ronaldo) “Nos dias de chuva, o morro era de saibro, formava aquela enxurrada pesada mesmo, [...]a gente ia  para o colégio de galocha e de guarda-chuva, enfrentando toda uma série de dificuldades... (Célio).



A aparente contradição dos entrevistados pode  sinalizar que a estrada  não se mantinha  conservada. A força da enxurrada removia o saibro. Vencer os tais quinhentos metros significava, em tempo de chuvas, lançar-se  na  lama, chegar no colégio com pernas  sujas, os sapatos protegidos pelas galochas. Se  numa área mais escorregadia  perdia-se o equilíbrio o estrago era total. Seria impensável, naquela época, deixar de ir ao colégio porque o caminho estava intransitável ou entrar no colégio com os pés cheios de barro. O tapetão (capacho) da entrada e o olhar atento dos regentes determinavam o limite dos pés enlameados. Aliás, a limpeza do colégio é um ponto sobre o qual vários depoimentos convergem.

Funcionava tudo! Uma limpeza! O banheiro era em mármore... aquelas... eu ficava encantada ... tudo funcionava...Tudo limpo, cheiroso, arrumado! [...]O colégio tinha uma limpeza incrível. Ninguém jogava papel no chão, ninguém cuspia! Não tinha nada, não tinha rabisco!(Maria Lúcia)









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O colégio era servido por água própria, captada, nas nascentes, em manilhas que a jogavam em dois grandes reservatórios, de onde era distribuída para todo o edifício e adjacências, como jardins, casa do diretor, piscina, apartamentos dos professores, casas dos empregados, curral, etc.

Descreve o aluno:

De uma vertente, nos terrenos do Colégio, atrás da mata, brota um farto manancial que, canalizado, fornece  água própria, limpa, cristalina, como igual não há em toda a redondeza. Com mil e poucos metros de extensão, a rede adutora supre em abundância  as necessidades do estabelecimento.

As canalizações são todas embutidas levando água a todos os cantos do edifício. (José Francisco Mendes Del Peloso- 4a série – O Estudante, 1960, p.  12).



Entre árvores, jardins e gramado, com água e clima excelentes, as condições de salubridade do Colégio de Cataguases eram consideradas ideais. As águas pluviais não empoçavam. Eram escoadas rapidamente através de um sistema perfeito de drenagem que as lançava em um córrego, num dos limites do Colégio. Profusa rede de esgoto servia o edifício, atendendo a mais uma das condições estabelecidas pela Saúde  Pública que, nesse período, fazia exigências rigorosas  para a abertura dos estabelecimentos de ensino.





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Pela sua condição de estabelecimento de ensino afastado do centro urbano, sem quaisquer problemas de vizinhança, o Colégio de Cataguases desfrutava de um  ambiente calmo, bucólico, propício  ao ensino. As salas  de aula eram providas de janelas inacessíveis aos alunos, dificultando, assim, o desvio da atenção durante as preleções. O olhar perdido  para as matas, quando, possivelmente, a aula se tornava cansativa, foi bloqueado pelas “janelas inacessíveis”, uma das razões da rejeição de alguns alunos ao prédio de Niemeyer.

Quanto à parte da frente do prédio: [...] Vai em ligeiro declive até a praça de esportes. Elemento de ligação entre  esta e o edifício, há uma escadinha de pedras que desce a colina em largos volteios e se transforma num delta, para alcançar a piscina e demais campos esportivos (basquete, vôlei , futebol e court de tênis). [...]A parte de  trás possui um amplo jardim, com elegante e assimétrico lago e vários arbustos. Há, depois, um aclive revestido em toda  a extensão, de plantações rasteiras, intermináveis tufos de erva cidreira, e, terminando em uma mata limitada por velhas mangueiras. [...]Nos fundos da casa do diretor, o pomar e a horta.  À direita e à esquerda, pastagens e matas” (Documento Inventário-  Acervo do Escola Estadual Manoel Inácio Peixoto).

 Descreve o aluno:

De um lado o Colégio defronta-se com a linha do céu onde nasce o sol. De outro lado, a vista alcança o perfil das serranias onde o sol se aninha ao longe em cada tarde. E que ocasos maravilhosos tem Cataguases!... (José Francisco Mendes Del Peloso- 4a série – O Estudante, 1960, p. 12).



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O mobiliário do Colégio não é só confortável e higiênico, mas também funcional, de cores  claras e linhas modernas. Foi, quase todo ele, desenhado  pelo conhecido decorador e pintor Joaquim Tenreiro. Há também peças originais do arquiteto sueco  Aalt. As mesas dos professores têm tampos com dimensões superiores às do mínimo exigido. As carteiras, salvo algumas da sala de trabalhos manuais, são individuais, com dimensões apropriadas. As do anfiteatro e do salão de provas são ajustáveis e têm  um amplo recipiente para guarda de livros e objetos escolares, fechado por tampos superiores e móveis, que funcionam por meio de um  sistema especial de dobradiças.  As demais carteiras são em forma de poltronas, com os braços largos para servir de mesa para as atividades escolares dos alunos. Sob tais carteiras há lugar para livros e cadernos. Os espaldares de todas as  carteiras são anatômicos (Documento Inventário).







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Nos dormitórios, ou apartamentos “camas, armários, mesa com luz individual, com três cadeiras e tudo em madeira de primeira, as camas eram fixas no chão”(Eduardo). E as carteiras? Algumas sim, as do tipo escrivaninha eram fixas. Mas  as de braço, não. Dispostas em corredores, mantinham-se afastadas sem nenhum desvio para a esquerda ou  direita. Era um alinhamento perfeito no intuito de resguardar as distâncias que os alunos deveriam manter entre si.

A pesquisa pelo mobiliário adequado  revela  o cuidado com que o colégio foi sendo  projetado em todos os seus detalhes. Havia a busca em catálogos, em visitas ao comércio especializado em  São Paulo (Cp  FIP Ciccarini,  São Paulo 23/4/1948). O amigo Ciccarini acompanhava Dr. Francisco na escolha dos móveis. Tendo em vista o conteúdo de uma das cartas trocada entre ambos, podemos supor que o que havia no mercado brasileiro à época não satisfazia às exigências  do Dr. Francisco, que chegou a pensar em encomendá-los no exterior: “[...] acho difícil v. encontrar câmbios de dólar para encomendar dos Estados Unidos. O que v. quer é um mobiliário que se harmonize com o estilo, a função e a desinbilidade[?]  do edifício” (Cp FIP-  Ciccarini São Paulo 18/7/1948). O assunto retorna uma outra vez, mas o desfecho da história  já é nosso conhecido. A escolha recai na encomenda a Tenreiro.





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Nunca tinha visto um auditório daqueles num colégio! Daquela amplitude, com projetor cinematográfico,  era uma cabina, lá embaixo tinham os camarins, banheiros... Tudo isso me impressionou (Paulo Adolfo).



Além do auditório, o Colégio de Cataguases também sediou dois museus: o Museu de Belas Artes de Cataguases e o Museu de Arte Popular. Na coleção do primeiro figuravam quadros de pintores famosos, nacionais e estrangeiros, tais como: Iberê Camargo, Jean Lurçat; A. Beloborodonov; Luis Jardim,  Clóvis Graciano, Osvaldo Goeldi, Jan Zach, Durval Serra, Mueller Kraus, Tomás Santa Rosa Júnior, Atos Bulcão, Fayga Ostrower, Alberto da Veiga Guinard, Di Cavalcanti, Marcelo Grassmann, Farnese, Aldari Toledo, Juan Del Prete, Yllen Kerr, Van Rogger, Epstein etc e José Alves Pedrosa ( escultor). Dentre todas as obras , avulta o já célebre painel “Tiradentes”, comentado por inúmeros críticos de arte do Brasil e do estrangeiro, e que foi filmado pela Companhia Cinematográfica Vera-Cruz, de São Paulo. É o mais vasto trabalho de Cândido Portinari. Mede dezoito metros de comprimento por três e vinte de altura (Documento Inventário). O segundo museu foi criado pelo escritor Marques Rebelo, que organizou,  captou e doou a maior parte das peças para o seu acervo.





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Há uma carta de  Portinari, sem data, possivelmente de 1947, na qual ele agradece a  acolhida do Dr. Francisco em Cataguases e comenta:

Realmente é reconfortante poder ver alguma coisa extraordinária por estes Brasis...

Estão vocês realizando ali algo que não vi em nenhuma parte do mundo. Em qualquer país civilizado seria formidável quanto mais neste país onde anda tudo  desencontrado, onde tudo é improvisado e onde todos  comumente dão palpites sobre todas as coisas.

Recebi sua carta reafirmando a encomenda do mural. Esse colégio graça a inteligência de vocês e o gênio de Oscar será exemplo de arte e cultura.

Já estou me enfronhando na história e ver o que é possível fazer com o nosso Tiradentes. [...]

OBS.: Recebi o cheque de quinze contos: os restantes cento e vinte poderão ser enviados da mesma maneira: dez contos por mês, como combinado (Cp FIP- Portinari,1947)







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O próprio Portinari considerava essa a sua melhor obra (Cp FIP – Portinari,  Rio de Janeiro, fev/1949). Em julho de 1948, ele comentava os pedidos dos diretores dos Museus de Arte Moderna  do Rio e de São Paulo para exibição do painel nessas cidades. Tais pedidos foram atendidos antes de mandá-lo para Cataguases. O diretor do Museu de Arte Moderna  de São Paulo, Lourival Gomes Machado, em carta de agradecimento ao Dr. Francisco, afirmou que pessoas de todas as condições sociais e de todos os níveis culturais admiraram  a obra. E mais:

Além (do) fenômeno verdadeiramente inédito, provocado pelo mural podemos observar outro de não menor significado: a admiração da ousadia de empreendimento e amplitude  de vistas reveladas pelos realizadores do notável ‘Colégio de Cataguases’. Será graças à realização de tal alcance que a arte moderna acabará por integra-se como elemento maiúsculo na história da inteligência brasileira, e nessa história haverá, por certo, um capítulo reservado à pioneira cidade de Minas Gerais. E mesmo respeitando sua infinita modéstia, permita-nos acrescentar o nome de Francisco Inácio Peixoto  jamais poderá permanecer no anonimato (Cp FIP – Museu de Arte Moderna de São Paulo- São Paulo- 6/10/1949.



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Na entrevista com uma das filhas do Dr. Francisco, quisemos saber o  porquê da escolha de Tiradentes e ela nos disse que “ele queria um tema  que abrangesse Minas, o Portinari, eu acho, que sugeriu isso. Acho. Não tenho certeza” (Maria Inês). No entanto, uma outra carta de Portinari, ainda em 1949, parece-nos  confirmar a  possibilidade dessa versão: “Meu caro Peixoto, [...]Tenho que lhe agradecer a liberdade que me deu para a execução do mural e a pontualidade  em todos os sentidos” (Cp FIP – Portinari,  1949)

O mural tornou-se maior que o edifício que o continha. “Enquanto  tinha  aquele painel ali, aparecia sempre  gente para visitar”, depois que o mural saiu o movimento “acabou”, afirmou o Sr. Jumar de Oliveira- porteiro, durante alguns anos, e responsável direto pela  segurança e integridade do mural.


Aqueles rostos trágicos, aquelas mãos crucificadas da gente do povo erguendo-se em ameaça aos algozes, os cofres dos dízimos da Coroa salpicados do sangue do Herói, as postas do Mártir esquartejado mas se protegendo do pó para a história como um grito não extinto de reivindicação em meio ao clamor que arrasta atrás de si, o céu do sacrifício, o porte de Tiradentes enfrentando os que o caluniaram de traição o seu amor à Pátria, as vozes gritando por ele...(SQUEFFS,  1949, p. 58).



                                               Nesse painel celebrava-se, pelo avesso,  a Inconfidência Mineira. “(...)  a ênfase não recai no herói individual, e sim nos grandes  grupos corais que participam direta ou indiretamente dos acontecimentos”(FABRIS apud Balbi, 2003, p. 72). Portinari abandonava a história oficial e representava Tiradentes à  luz  da realidade sofrida do povo brasileiro



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O mural do Portinari sofreu uma vez um corte de  gilete e uma menina passou um baton nele. Quem corrigiu até o lugar fui eu.  Um corte, mais ou menos assim de uns doze ou treze centímetros.

Foi tarde da noite, aluno chegando com certeza. Deve ter sido isso. E o baton foi uma moça que passou, porque, na época, só moça que usava. Tinham aqueles bailes ali, então num deles ...passou o baton (Ady Rezende ).



 Em 1977 o mural saiu do colégio. A versão desse episódio pelo funcionário encarregado da sua segurança foi a seguinte:

Quando chegou  o fotógrafo da Abril  Cultural, às seis e pouco da manhã...Já não era a primeira vez, de vez em quando ele aparecia: “Tô eu  outra vez”. Esse era conhecido. Ninguém nunca falou comigo que era proibido fotografar! A pessoa chegava, pedia para fotografar...não tem problema! Mas nesse dia, ele disse: Esse mural vai ser retirado daqui hoje”. Não sei disso não! “A  empresa Transportadora Fink vem pegar ele hoje”. Você está me dando uma ótima notícia!

Às três horas da tarde chegou o caminhão. Eu já tinha até perdido a esperança, achando que ele não ia chegar mais (Sr. Jumar).



O funcionário temia pelo painel. Impressionava-se com comentários  de alguns visitantes sobre a falta  de proteção do local. Relatou-nos, inclusive, a sugestão de um turista francês, para quem aquela obra deveria ficar sob  segurança armada: “Peça ao dono do painel um revolver!” Dr. Francisco foi quem mais lutou para que o mural permanecesse em Cataguases, mas...

não havia condições para agüentar com o ônus de sua conservação[...]O que podia excitar o turismo foi para São Paulo! Nós fizemos tudo para que ele ficasse aqui. Claro que de mão beijada não era possível. Nós fizemos um preço simbólico. Não se interessaram [a Prefeitura]...Mas  foi-se o painel com grande tristeza minha porque fui um dos que contribuíram para que Portinari fizesse o painel[...] (Francisco Inácio Peixoto em entrevista a Romanelli



O painel de Portinari foi adquirido pelo governador de São Paulo, Paulo Egydio Martins, pelo valor de Cr$4.000.000,00 (quatro milhões de cruzeiros) à vista (Cp FIP – Antônio Fernando Bulhões de Carvalho – 2 de julho de 1975). Foi restaurado e hoje se encontra no Memorial da América Latina, na cidade de São Paulo.




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Dr. Francisco foi diretor do Colégio de Cataguases de 1942 à 1962, mas no cotidiano essa função era mais identificada com os outros diretores, Dr. Manoel, por exemplo, que  se auto denominava  “lugar tenente dele”.  Dr. Francisco não se envolvia diretamente com os alunos. Mantinha-se afastado. Havia objetivamente uma boa razão: suas múltiplas e simultâneas atribuições.

Comunista? Não encontramos nenhum documento que comprovasse a sua filiação ao partido. Em contrapartida, a contribuição financeira fica caracterizada em correspondência de Luís Carlos Prestes:

Prezado patrício Francisco Inácio

Queira receber minhas saudações mais cordiais e meus melhores agradecimentos pela ajuda financeira que nos tem prestado [...] a apelar mais uma vez  para sua generosidade e solicitar  [...]( CP- Luís Carlos Prestes – agosto de 1957).

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Como intelectual do seu tempo, Dr. Francisco via a escolarização como motor da história, incluindo essa crença na postura  modernista, afinal o Modernismo “deflagrou o surto inovador, na recusa dos padrões estabelecidos e na busca da afirmadora criação”(IGLÉSIAS, 2002, p. 25).  Dr. Francisco não era um “educador profissional”, mas tinha um compromisso firmado com  a educação,  através de uma sintonia fina  a favor da estética, da literatura, das artes de um modo geral. Paralelamente ao currículo oficial, o colégio pretendia sensibilizar os alunos para o que ele supostamente valorizava  como expressão de cultura.

Francisco Inácio Peixoto nasceu no município de Cataguases, em 05 de abril de 1909, filho do segundo  matrimônio de Manoel Inácio Peixoto com Francisca Cândida Peixoto. Sua  mãe morreu de parto. Foi criado pela irmã mais velha, do primeiro casamento do pai, Deocleciana Peixoto Rama, casada com  Manuel da Silva Rama, com quem viveu até sua emancipação aos dezoito  anos. Dr. Francisco  morreu em Cataguases em 08 de janeiro de 1986, aos 76 anos.







[1]  Sob essas denominações  compartilhavam o mesmo edifício, funcionando  em horários diferentes.

[2] Esses grupos escolares hoje são denominados  Escolas Estaduais.

[3] Podemos pensar que se tratava da cerveja Volvi, de fabricação local, a época, e  mencionada por  Oswaldo Barroso (Depoimento em Memória e Patrimônio Cultural, 1988, p. 84)

[4] Dados biográficos sobre os senhores Manoel Ignácio Peixoto e Coronel João Duarte  Ferreira em Cataguases Centenária –Dados para sua História – Levi Simões da Costa, 1977


[5] O Ginásio de Cataguases passa a ser filiado ao Colégio Granbery de Juiz de  Fora, de orientação metodista.

7 comentários:

  1. legal em fera quem ez isso aki curti

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  2. Fui aluno na década de 60, fiquei muitíssimo emocionado ao ler. Parabéns Dr. Francisco Peixoto e a todos que colaboraram com esta linda história.

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  3. Longa e bela história do Colégio Cataguases!

    Parabéns aos idealizadores das diversas etapas de concepções e de realizações dessa belíssima e importantíssima Escola, que oportunizou muitos a transformar sonho em realidade.

    Tenho muito orgulho e ótimas lembranças entre 1966 e 1981, período em que nossos familiares lá estudaram.

    Velhos tempos, belos dias!!
    Eduardo Leite Magalhães

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  4. DOUGLAS ANDRE PAIVA3 de maio de 2022 às 11:13

    Bom dia,
    Pergunto, por favor, como faço para encontrar listas de alunos de 1975 a 1978, estou com problemas no teclado, por isso naun apareceram algumas acentuaçoes e pontuacoes.
    obrigado

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  5. Preciso muito do meu certificado de escolaridade,mais não consigo entrar em contato

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  6. Estudar ali era para mim a liberdade de uma rotina enfadonha de minha infância. A biblioteca era meu refúgio
    Lia mais que estudava. consegui conhecimentos

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